A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: Problemas e perspectivas


INTRODUÇÃO

A nova cartografia mundial produzida pela queda do Muro de Berlim, o acelerado avanço das mudanças científicas e tecnológicas, a geração de novos padrões de produção e organização do trabalho e a constante internacionalização das economias são algumas das dimensões que promovem a crescente centralização do conhecimento.

Neste quadro de análises, destaca-se a relação entre os processos produtivos e as competências profissionais necessárias.

A análise comparativa entre a economia capitalista tradicional (baseada na relação entre mão-de-obra, capital e recursos naturais) e a economia global (internacionalizada), demonstra que a produção na primeira se caracteriza por uma organização piramidal, hierárquica e estática e a segunda, por outro lado, pode ser representada através da imagem de uma “teia de aranha” que simboliza a produção transnacional, fragmentada e sem bases nacionais.

As perguntas formuladas neste trabalho se referem sobretudo às respostas  ou ações que a educação deve executar.          

Para que atores e que contextos devem ser preparados os processos de formação?

 Nas economias industrializadas,  já nos últimos tempos, tem prevalecido um quadro recessivo e uma notória debilidade da ação sindical. A tendência das novas tecnologias é o desenho de um cenário futuro: calcula-se que as tarefas normais da sociedade contemporânea  exigirão um mínimo de educação de 10 a 12 anos, com uma média de 8 horas diárias.

            Na maioria dos países da América Latina, mais de 60% dos alunos não terminaram o segundo grau e apenas 1% dos alunos que começaram o primeiro grau ingressam na universidade. (TORRES Apud NOÉ, 1994)

            A reformulação das regras do jogo econômico, a partir do avanço tecnológico, demanda uma capacitação “polivalente”, capaz de cobrir uma multiplicidade de funções, com uma sólida formação de base, e com  a possibilidade de ser reorientada para novas especializações frente a velocidade das mudanças tecnológicas; pois estas vêm exigindo uma certa capacidade para integrar-se no trabalho grupal,  disposição para cooperar e gerar a solidariedade da equipe de trabalho, no qual o personalismo, a competição individualista e o desejo de se destacar prejudicam os outros, tornando-se cada vez mais disfuncionais.

            Esta  pressuposta “revolução” se desenvolve num contexto de exclusão social onde os primeiros excluídos serão os “incapacitados” em termos de aquisição de novos conhecimentos.

POLÍTICA DE FORMAÇÃO NUMA ECONOMIA DE MERCADO FLEXÍVEL

            As relações entre economia e educação nunca foram tão evidenciadas como no momento atual, onde o incremento das importações, abertura de mercados com a concorrência internacional têm afetado diretamente as mudanças nos preços dos bens  serviços. Além disso, deve-se levar em conta os avanços científicos e tecnológicos que redefinem os efeitos sobre a formação do indivíduo.

            No entanto, destacamos a hipótese de que a baixa qualificação pode influenciar o crescimento econômico do país a médio prazo, por reforçar o quadro de desemprego, exclusão, miséria e também por reduzir o número de trabalhadores qualificados, o que aumenta o índice diferencial de salários entre categorias profissionais mais especializadas, pois estas exigem uma alta qualificação, e aquelas apenas se limitam à baixa qualificação.

            Seguindo a lógica anterior, constatamos que essa polarização representa uma volta ao modelo Taylorista - e tradicional - de formação onde o saber intelectual se distancia do saber mais operacional. (Salm, 1995; Gorz, 1993)

Nesse caso, os trabalhadores formais mais capacitados serão a minoria, talvez, em valor qualitativo, mas não em termos de salário, porque o mercado informal tende a superar o formal, segundo previsões de especialistas, em decorrência da ausência de ofertas de emprego formal. [1]    

            Estudos sobre economia, capital e trabalho definem  relações entre produtividade, qualificação e renda  tão marcantes quanto a necessidade de ampliação competitiva (nacional e internacional), considerando-se o aumento de qualificação, principalmente dos setores mais intensivos como a metalurgia, vestuário e calçados, têxtil, madereiro, papel e celulose e produtos alimentares (Boletim de economia, capital e trabalho, set./96). Assim, o aumento de bens e serviços tem elevado o seu valor diante da estagnação da  mão-de-obra ocupacional menos qualificada.

            Ao se comparar alguns setores industriais (Farmacêutico, Químico, Materiais elétricos e de comunicação etc.) em termos de vantagens competitivas no mercado internacional, percebe-se que há uma baixa considerável de qualificação e isso reforça a não sustentação dos mesmos nos mercados globalizados, além das altas taxas alfandegárias e outras taxas cambiais para o comércio transnacional.   

          


             Dessa forma, a ênfase na alta qualificação tem se evidenciado de forma acirrada diante da situação de queda do emprego na indústria brasileira. De maneira contraditória e ainda nesse contexto de desemprego, observamos a valorização do trabalho competente, seja ele especializado a nível das alta das chefias, seja polivalente a nível de chão-de-fábrica.  

            No período de 1990-93, o setor industrial primeiro  corta os custos através de dimensões e da queda de salários e depois aumenta a sua produtividade repassando os lucros advindos desta para os salários, o que acaba beneficiando relativamente os trabalhos  industriais em 1991. Ainda assim, os trabalhadores da indústria perdem relativamente mais que os trabalhadores de serviços, embora perdendo menos em 1992. (PERO, 1996)

Essa contradição é ampliada no que diz respeito aos salários: recebem dignamente  (ou pelo menos compatível com o preço de mercado) aqueles que pensam e recebem pouco além de ter péssimas condições de trabalho  os que só executam tarefas mais complexas.

            O fenômeno das distorções salariais vem ocorrendo tanto nos países de primeiro mundo como também nos países  latinos americanos.(Boletim Econômico, Capital & Trabalho, 1996), embora se tenha constatado nas estatísticas do IBGE que a renda média no Brasil é maior, comparando-se o grau de instrução dos trabalhadores que se eleva com a sua renda.

            Fatores como as relações entre demanda e oferta de trabalho qualificado são justificados pelos novos conceitos produtivos e tecnológicos que parecem impelir o comércio internacional na busca de melhores trabalhos especializados.

             No entanto, o que as indústrias procuram são trabalhadores especializados para suas chefias e trabalhadores com uma formação básica para os cargos de subordinação. (CETIQT, 1996); (CASTRO, 1995)

            Contudo, os fatores para a competitividade e produtividade de uma empresa estão intimamente relacionados às competências dos trabalhadores e sua formação, seja ela a nível de gerência (chefia e supervisão), seja a nível operacional (chão-de-fábrica) apenas.

             Os efeitos da globalização nos países periféricos [2] vem traçando um cenário de exclusão labora. Porém contraditoriamente os trabalhadores precisam passar por uma readaptação  ou por uma re-inserção no mercado de trabalho para a sua sobrevivência. As relações entre produção e consumo não são tão favoráveis quando o cenário é de miséria [3]      

            As conseqüências desses desajustes sociais no mercado de trabalho se refletem na educação e exigem portanto uma reestruturação das condições educacionais dos países pobres através dos seguintes fatores:

n concorrência do mercado e novos sistemas técnicos, os quais enfrentam uma outra problemática: o modo de gerenciar sobre os efeitos da falta de mão-de-obra qualificada e o desemprego estrutural;


n desenvolvimento da qualidade conforme atualização cada vez maior da formação e melhores desempenhos para diversos modelos de produção. Na verdade, as relações conceituais entre formação, qualificação, competências e competitividade são focos de interesse para uma discussão mais aprofundada entre educação e economia nos contextos macro (governo e políticas) e micro (a empresa).



FORMAÇÃO PROFISSIONAL E REQUALIFICAÇÃO PARA QUE E QUEM?

            Os anos 90 foram demarcados por mudanças relevantes tanto a nível macro (social, político e econômico) quanto no nível micro (novos conceitos produtivos).

            De forma irregular, a abertura comercial, apesar da alta inflação da época, parece ter favorecido a entrada de novas tecnologias em informática e telecomunicação de  modo que novos conceitos e práticas gerenciais foram adotadas por aquelas empresas que tentaram se manter no mercado competitivo.

            Fatores como a legislação trabalhista e o baixo nível educacional dos trabalhos acabam por determinar os padrões de competitividade a nível internacional. Nesse sentido, surgem as implicações que apontam para a necessidade de políticas de Formação Profissional que atendam as necessidades empresariais no contexto global.

O cenário conflitante dos anos 90-96 parece representar uma volta ao passado quando, nos anos 40-50, a necessidade de profissionalização surgiu de uma demanda empresarial (padronização, centralização e especialização taylorista). Sendo na época passada o discurso paternalista uma constante, já que justificava as ações empresariais e governamentais (protecionismo estatal).

      

            Segundo Fleury (1996) o paradigma da “especialização flexível” e o de “sistema de produção enxuta” definem alguns pressupostos básicos, resumidos a seguir:[4]

            - mão-de-obra como atividade da empresa e fonte de idéias para melhorias e aperfeiçoamento permanentes;

            - busca de trabalhadores multi-qualificados, que aumentam a amplitude de suas tarefas;

            - importância na aproximação dos clientes e fornecedores para a inovação e aperfeiçoamento de serviços e produtos em cooperações a longo prazo;

            - eliminação de desperdícios, buscando identificar os erros/defeitos;

            - pressão e tensão para melhorias permanentes de desempenho;

            - e, por fim, a cúpula das organizações deve decidir sobre as tecnologias de produto e processo.

            Para essas novas competências, o cenário econômico pouco favorecido, seja pela legislação, seja pela terceirização a baixos custos, redesenha um novo quadro para a elevação da qualificação dos trabalhadores, que precisam então se enquadrar aos novos padrões mercadológicos. O novo perfil profissional sob a ótica do “neoliberalismo” vem reforçando o discurso da “especialização flexível”, porém na aprendizagem “upgrade”  para os trabalhadores se compreende apenas a operacionalidade das máquinas e sua flexibilidade para mudar de cargo e de equipamentos (polivalência).

          Quanto aos mais capacitados e especializados, fica a responsabilidade de implantação de novas tecnologias, e as decisões quanto à escolha do uso fica para as altas chefias (ou direções).

            O baixo custo da mão-de-obra é reforçado pelos baixos investimentos em formação básica e técnica para trabalhadores de chão-de-fábrica;  com raras exceções apenas os setores com inovação permanente buscam o aperfeiçoamento constante de seus empregados. Esses custos podem ser amenizados com terceirização, quando  a empresa prestadora de serviços se torna responsável pelo treinamento dos operadores de máquinas.

            Em nossos estudos, o conceito aqui adotado de flexibilidade é definido em duas dimensões quase excludentes entre elas:

·    MACRO: diz respeito ao estado de direito normativo - flexibilidade contratual da força de trabalho e os dispositivos legais que regulam a relação entre capital e trabalho;

·    MICRO: a nível dos processos produtivos e por isso mais funcional/operacional, relacionada a capacidade de adaptação à microeletrônica e outras tecnologias. Assim, a polivalência e a multifuncionalidade do trabalho estão presentes.

            Diante do fenômeno da globalização, o trabalhador passa a ser valorizado pela sua capacidade de adaptação às novas regras do jogo político e econômico. Os efeitos desse processo de “unificação” de todos os mercados do mundo parece ficar sob o encargo das empresas transnacionais , ou seja, aquelas que estão  além dos valores locais e de um país.


            Nessa articulação, os efeitos sociais e a heterogeneidade das localidades são obrigadas a se adequar ao mercado sob regulamentos governamentais.

            Depois do caos/crise da sociedade de trabalho (KURZ, 1993), o capitalismo se revigora através de suas corporações, nas quais o novo discurso da educação profissional se coaduna ao velho instrumental das articulações transnacionais, favorecendo a sua expansão além fronteiras, para a transferência de tecnologias e implantação de  “know-how”.                    

            Parece uma “teia de aranha” (NOÉ, 1996), ou melhor, uma “bola de neve” que só se desfaz após uma profunda reflexão crítica e resgate político de uma construção emancipadora da formação humana.

            Ainda sob o enfoque crítico e trazendo para a materialidade a discussão abstrata sobre “flexibilidade”, vemos dois fatores que se remetem à demanda por especialização de forma excludente:



·     perda da qualificação/especialização,

·     processo de reaprendizagem para novos cargos.  

          

          Na verdade, o novo aprendizado, ou as novas competências profissionais exigidas pelos novos conceitos produtivos, entram em confronto com aquelas experiências laborais do velho mestre que necessitaria ampliar e redimensionar os seus velhos conhecimentos insubstituíveis em setores de produção como a metalurgia e o têxtil.

          





              Entretanto, o rodízio em tarefas múltiplas não parece ser suficiente para um novo aprendizado que exige competências pessoais/sociais, metodológicas, técnicas, além do desenvolvimento cognitivo para as mudanças no trabalho[5] . Isto porque já na trajetória histórica do capital e suas relações com o trabalho e a sociedade, a “desqualificação” parece ser uma constante no que diz respeito a perda de especialização, e portanto, a busca de uma nova tarefa nos mercados formais e informais (BRAVERMAN, 1977)

              Não obstante,  a polêmica sobre “especialização” deve ser retomada, no sentido de recuperar a formação perdida no contexto global, reforçando, portanto, a obrigatoriedade da educação geral (intelectual, incluindo os conhecimentos de diversas áreas humanas, sociais e política). (PAIVA, 1995)  

              A redefinição do papel da educação profissional é importante para os modelos produtivos, onde a “escala de padronização, o acesso e o controle de matérias-primas e outros insumos que faziam da verticalização uma vantagem e, principalmente, a mão-de-obra barata e confiável , isto é, disponível e adaptada  à monotonia e à intensidade do trabalho fabril – que estão perdendo importância na concorrência capitalista.” (SALM, 1995)

         


           Contudo, o profissional especializado ainda parece ser uma peça importante nas relações de produção, especialmente compilados à competição acirrada de novos cargos de trabalho, onde o homem passa a lidar com a máquina de maneira a buscar melhores desempenhos de operação, além da aplicabilidade de técnicas revestidas de uma certa exigência cognitiva (saber abstrair, interpretar gráficos, usar tabelas, planejar, organizar e analisar situações diversas etc.) para ser compartilhada entre atores distintos na empresa.             



POLIVALÊNCIA E DESEMPREGO



            A dinâmica da concorrência e do mercado impele o trabalhador a procura de um trabalho específico de forma não tão abstrata, mas concreta em função das necessidades de um trabalho digno e competente.

            Segundo Gorz (1993) o projeto socialista de uma nova sociedade esclarece bem as contradições presentes no modelo globalizado através de dois aspectos que se interrelacionam:



·    reivindicação de uma classe de trabalhadores qualificada e capaz de gerir o próprio processo de produção;

·    desenvolvimento das forças produtivas a serviço da emancipação e do atendimento das necessidades humanas ( 1993: 235-48).



          


              Em contradição à lógica da globalização, as demandas por qualificação seriam correspondidas a fim de superar  a opressão sobre as capacidades humanas exploradas em função de um melhor desempenho empresarial, que, por sua vez, se coloca à disposição do mercado internacional.

            No quadro de parcerias onde os interlocutores de “baixo escalão” têm pouco poder de barganha, o trabalhador se distancia desse núcleo de decisões sobre suas vidas. Parece que a discussão política e social se diluem numa mesma resposta: o economicismo globalizado e dissociado das realidades locais, vindo  a massacrar as regiões periféricas (pobres) de todo o mundo.[6]

            Fora o ceticismo exacerbado, o massacre absoluto ainda não se deu por completo, pois na competitividade existem relações racionalizadas entre clientes (consumidor/fornecedor), sendo o poder de compra ainda valorizado para que se legitime a pressuposta “revolução científico-técnica”, que ocorre apenas nos países produtores e fornecedores (matrizes). Entretanto, abordaremos essa discussão de forma mais sistematizada em outra ocasião.

            Retornemos então ao apontamento sobre “‘especialização flexível” e a integração da produção como fatores complementares na complexidade da dicotomia entre trabalho  e capital.

        


              A especialização pode ser parcial se for destituída da visão de contexto de trabalho e sociedade, focalizando sempre a busca de autonomia e emancipação do sujeito para além da fábrica.

             Gorz (1993) advoga o tempo livre ou “disponível”  a seu entender como uma necessidade humana para conquistar a sua autonomia frente a racionalidade econômica. Para ele caberia à “ nova agenda”  a disponibilidade do indivíduo para se aperfeiçoar, se qualificar com uma renda digna para mantê-lo independente das relações de trabalho multifacetárias, mas com total autonomia social.

            Se existe uma demanda dos trabalhadores por formação, perguntamos aonde fica a participação desses indivíduos no processo de elaboração de novos programas de qualificação?

              As organizações desejam resultados, produtividade, velocidade e flexibilidade, focalizando o produto,  porém o conceito de maleabilidade não pode ser confundido com a autonomia  desejável para a vida.

            O termo polivalência corresponde ao sentido etimológico de valor e revela quatro faces: vigor, importância, significação e preço conforme uma decisão preestabelecida. (SCHWARTZ, 1991)

            Depois dos anos 60, esse termo se torna mais utilizado diante as mudanças conceituais na produção advindas da “crise do Taylorismo”- prescrevendo as tarefas de trabalho e as “atividades especializadas”. O discurso a favor da polivalência torna-se aquele em que as tarefas devem ser enriquecidas, reduzindo assim os efeitos da alta rotatividade na indústria devido ao absenteísmo.

        


           A polivalência nos países ocidentais, parece ser uma justificativa  para resolver a diminuição dos “postos de trabalho”, ou seja, o trabalhador passa a “adquirir pseudo-competências” em contradição à substituição dos colegas demitidos. Entretanto, o cargo é enriquecido (aumentando as suas tarefas), mas permanece com os salários “‘enrijecidos”.

            Essa tendência nos leva analisar uma realidade mais complexa nas relações de trabalho, considerando as dimensões históricas e sociológicas. A capacidade de analisar todo o contexto produtivo e suas mudanças conceituais,  inteirando-se dos processos políticos, econômicos e sociais, traz a questão da multidisciplinariedade para o âmbito dos diversos saberes a serem assimilados pelo “novo trabalho”.

            A complexidade da rotação de cargos traz a tona uma superficial solução para a falta de pessoal qualificado, principalmente quando a legislação trabalhista impede o cumprimento dos direitos adquiridos. Sendo essa qualificação limitada a substituição de cargos, a pressuposta “alta qualificação especializada” desaparece e dá lugar novamente à “baixa qualificação”.

            O “trabalho intelectual” exige autonomia e responsabilidade e pressupõe uma força  “polivalente” frente às transformações técnicas e sociais. Porém a definição de “especialização flexível” pode ser abstrata para os trabalhadores, apesar de ser bem concreta para os empregados, uma vez que a flexibilidade pode ser representada ora na manufatura integrada por computador (sistemas informatizados), ora na integração com fornecedores e o mercado, ora ainda  na polivalência do trabalho que incorpora o termo “especialização flexível” em sua apropriação semântica.




FLEXIBILIDADE E AUTONOMIA NA CONCEPÇÃO PEDAGÓGICA

             Segundo Tedesco (1995),  há de se redefinir uma relação ampla entre educação e mercado de trabalho que resgate as capacidades requeridas para o desempenho do cidadão e toda a produção e abra assim novas perspectivas do efetivo papel da educação no desenvolvimento social de um país.

            Inicialmente, temos que questionar qual é o impacto causado pelos novos conceitos produtivos e tecnológicos sobre  a educação.

   Sob o enfoque sociológico, podemos dizer que o conceito de um “novo trabalhador” ressurge (dizer como ressurge) numa sociedade como a brasileira que possui aproximadamente 150 milhões de habitantes disputando espaços de habitação, locomoção, emprego e de sobrevivência igualada a qualquer região geográfica submetida, nesse final de século, às transformações tecnológicas e sociais emergentes do mundo moderno.

    No cenário internacional a competitividade difundida pela “Comunidade Européia” pressupõe três condições básicas definidas como desafios a serem alcançados: educação continuada, educação e treinamento como suprimento das necessidades imediatas da empresa. Em função do contexto social e econômico é que se vem priorizando a formação profissional como condição ‘ sine qua non’ para suprir a falta de especialização ocorrida nos setores produtivos que sofrem com o desemprego crescente.

O IRDAC (Industrial Research and Development Advisory Committee of the European Commission), vem priorizando a formação profissional; da mesma forma, o governo brasileiro também vem enfatizado a necessidade de formação (básica e profissional) para o “desenvolvimento de uma economia sustentável.”(Ministério do Trabalho, 1996)

Entretanto, vivenciamos em nossos dias  a possibilidade da existência de um “homem pensante” ou conscientizado de suas ações num mundo novo, mas em contradição ao homem neutro que se opõe `a sua ontogênese. A introdução de novas tecnologias do conhecimento, a ciência da cognição e outros processos interativos vêm transformar a indústria  taylorista em organização voltada para o trabalho intelectual (Thiollent, 1992). Seria então este o momento da construção do conhecimento pertencente àquele homem que está além da “domesticação” e à caminho de sua libertação almejada?

Com o Taylorismo, vimos a influência do método científico sobre os métodos de ensino profissionalizante que reforçam a reprodução e a cópia sem reflexão crítica no processo de aprendizagem. A dicotomia entre outrora e o porvir é reforçada quando surge o paradigma do conhecimento, que sustenta o “modo como” o indivíduo apreende o conhecimento  no contexto de trabalho ou, até mesmo, fora deste de forma dinâmica e interativa. O novo perfil do trabalhador envolve aspectos de mudança cognitiva, isto é, o sujeito passa a ter mais autonomia e responsabilidade para pensar, analisar, organizar e decidir sobre os processos gerenciais.

Além do monitoramento sobre a máquina, é constante a  avaliação permanente do sistema produtivo e tecnológico. Diversos conhecimentos passam a integrar o mundo do trabalho, sejam eles subjetivos, sejam  específicos.

Do ponto de vista organizacional, será preciso um novo pensamento das altas chefias (diretoria) em relação aos problemas de formação a partir da reestruturação industrial, no sentido de buscar assim soluções permanentes ou o “Weiterbildung” para a qualificação dos grupos de trabalho.

Para tanto, procuramos questionar se os métodos de aprendizagem ou a aquisição de conhecimento estariam sendo estudados adequadamente em qualquer contexto produtivo. Numa discussão mais genérica, levantamos as hipóteses de que o desenvolvimento tecnológico e a globalização da economia  mantêm a “padronização” dos métodos na aprendizagem ou, por outro lado, poderiam também reforçar a “heterogeneidade” nos  processos de aprendizagem da organização.

Afinal, perguntamos quais seriam os reflexos e benefícios daquela reestruturação industrial sobre os processos de formação profissional e também sobre o  sujeito? Em outras palavras, na concepção sócio-pedagógica, passa a existir uma contradição entre flexibilidade e capacidade de ação para a autonomia do sujeito, as quais  se refletem nas teorias e práticas educacionais. O conceito


de flexibilidade da produção parece  não se coadunar com os novos processos de aprendizagem para ação autônoma.    

            Sendo assim, o processo de aprendizagem torna-se um projeto vinculado às necessidades humanas e de interesse político-social.


         A citação descrita abaixo manifesta os princípios da didática como atividade pedagógica.

A educação escolar é uma atividade social que, através de instituições próprias, visa a assimilação dos conhecimentos  e experiências humanas acumuladas no decorrer da história, tendo em vista a formação dos indivíduos enquanto seres sociais, [se encarregando] a Pedagogia [de] intervir nesse processo de assimilação, orientando-o para finalidades sociais e políticas e criando um conjunto de condições metodológicas e organizativas para viabilizá-lo no âmbito da escola [considerando-se a formação geral e profissional]. Nesse sentido, a Didática assegura o fazer pedagógico na escola, na sua dimensão político-social e técnica; é, por isso, uma disciplina eminentemente pedagógica. (LIBÂNEO, 1991:52)



       No processo de aprendizagem há a necessidade de se recuperar a discussão teórico-prática devido às mudanças de paradigma educacional.

No modelo de racionalização da educação, a busca de eficiência é sustentada pelos processos de avaliação quantitativa no qual o mérito é atribuído a uma gradação valorativa quanto ao desempenho do aprendiz no processo de ensino. Por mais que esse modelo tenha garantido a sua permanência até os dias atuais, vimos que o indivíduo perde a sua autonomia quando o ensino tolhe a capacidade de criação. 

            Na verdade a capacidade de  mera socialização do indivíduo como justificativa de adaptação às normas sociais, fazem a educação cair num gap conceitual entre a inovação (como modismo) e a transformação, o que é comum aos países do Terceiro Mundo. Havendo adaptação, há  cópia, mas não transformação na concepção resgatada em  Paulo Freire.


            A didática de ensino em seu processo histórico pode considerar a capacidade de adaptação do indivíduo às mudanças sociais, econômicas e políticas pelas quais passam a sociedade de cada época, manifestando então a reprodução de valores ideológicos na pedagogia moderna.

            Verifica-se que o ensino das ciências exatas tem sido alvo de inúmeros questionamentos os quais são fonte de estudos para a pedagogia que tenta, por um lado, buscar o sucesso almejado na prática, mas explorando ainda de forma incipiente os  limites da efetividade do processo de ensino/aprendizagem neste campo mais teórico. Assim,  o conceito de aprendizagem para ação é considerado sob outra perspectiva :a da organização autônoma na educação e da capacidade de ação do indivíduo. Um novo paradigma da aprendizagem para a ação contínua é a tendência de busca da sociedade contemporânea.

         Agora, as competências profissionais são também valorizadas tanto no sentido mais abrangente quanto no mais específico, e se referem ao desenvolvimento de informação (TI) e comunicação, automação da produção e informatização da administração; vale notar como também as mudanças sociais têm interferido nos processos produtivos. 

            As inter-relações societais são caracterizadas pela troca de necessidades e interesses intergrupais e pessoais e elas se refletem nos processos educacionais e produtivos.

            Entretanto, a educação formal na visão tradicional não considera os aspectos (ou áreas) relevantes da vida na aprendizagem de grupos,  afastando-se assim daquela proposta de crescimento autônomo da aprendizagem na organização.

          Por isso, as redes de informação e os processos vitais se transformam em áreas  a serem incluídas na educação profissional.

            A questão central seria se a Formação Profissional pudesse criar em seu âmbito condições metodológicas para a discussão de problemas sócio-políticos,  econômicos e tecnológicos e para a busca de soluções viáveis (ações concretas) para cada contexto educacional, redefinindo portanto o campo de desenvolvimento de projetos para a aprendizagem voltada para a heterogeneidade da cultura local das regiões e estados brasileiros, além de favorecer a busca de alta qualificação profissional.


CONCLUSÃO

            A modernização industrial causou um certo aumento de preocupação pelos fatores subjetivos da produção diante da alienação causada pela divisão do trabalho, o que criou então uma péssima combinação entre tecnologia e fatores humanos justapostos e, por isso, justificados apenas pela técnica.

            O processo tecnológico envolve uma rede complexa de informações nas relações dentro da produção, permitindo um aumento de controle do processo pelo indivíduo que tende a buscar cada vez mais autonomia.

            Na sociedade atual as pessoas tendem a buscar altos níveis de educação, embora a mesma ainda seja restrita à maioria de crianças e jovens trabalhadores nos países periféricos. Sendo assim, a tendência das empresas é incentivar os estudos daqueles trabalhadores menos qualificados, ao invés de dispensá-lo. Agora, fora da empresa a tendência é buscar melhores níveis de ensino que propiciem a autonomia profissional da massa trabalhadora desprovida de bens econômicos facilitadores de melhores condições de moradia, saúde, educação e lazer - isto é, condições decentes de vida.

            O período pós-industrial (primeira e segunda revoluções) passou a caracterizar uma fase de grandes desafios para as organizações dos países ricos que se refletem até hoje, principalmente, nos países pobres e não industrializados.

            As inovações tecnológicas ocorridas nesse contexto de crises representam mudanças de valores sociais, econômicos e mesmo dentro da própria indústria, exigindo assim novas práticas de gerenciamento administrativo.


            A introdução de novas tecnologias através da aplicação automatizada e o incremento da produção auxiliada pelos sistemas de computação forçou a mudança de comportamento requerido por essas novas ferramentas de trabalho. Lidar com a máquina requer lidar também com homens pensantes os quais desenvolvem a sua autonomia, adaptabilidade, iniciativa , participação e trabalho variado com qualidade, trabalho este planejado e regulado pelo próprio indivíduo.

            Estudos realizados em ambientes de automação comprovaram que novas competências (habilidades) são requeridas para ajustar e manter a máquina em funcionamento perfeito diante dos problemas que possam surgir. Portanto, parece haver um ressurgimento do supervisor (ou líder de grupos semi-autônomos) com novas características participativas capazes de traduzir o novo modelo de produção.

            Todas as mudanças nas relações de trabalho são de cunho social, econômico e político, que se refletem na organização. E os efeitos da tecnologia se remetem à sociedade determinando muitas vezes os rumos no contexto histórico de um povo. Na indústria atual, os novos conceitos da produção ainda coexistem com a velha concepção de tarefas predeterminadas, apesar de o novo paradigma requerer do técnico (supervisores) a apropriação de saberes mais genéricos e específicos ao mesmo tempo. Os novos processos de aprendizagem na organização ressurgem na era contemporânea ora como um aspecto relacionado à produtividade e competitividade da empresa a baixos custos, ora como condição “sine qua non” para a sobrevivência das empresas no mercado. Contraditoriamente, os aspectos de formação acabam sendo um reflexo das transformações sociais e políticas no sentido de “amenizar” o quadro dos excluídos do contexto produtivo.


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[1] Para um maior aprofundamento vide os estudos de Valéria Pero. A formação profissional diante das mudanças no mercado de trabalho no início dos anos 90. RJ., Senai/DN -CIET, 1996. Vide também artigo de Edward J. Amadeo sobre “‘ O estado e a sociedade civil organizada: políticas de mercado de trabalho, relações capital/trabalho e entidades de classe no Brasil” publicado pelo ILDESFES em 1996.  

[2] Oliveira cita em seu livro, A economia da dependência imperfeita, que o fenômeno do crescimento industrial desde 47 ocorre as custas de baixos salários e da modernidade tecnológica que reforçam o acúmulo de riquezas por regiões produtivas (págs. 45-47 e 55-75).

[3] Vide Robert Kurz, Blackburn, Hobsbaun etc.

[4] Enfatizamos apenas os fatores humanos relacionados à importância de qualificação/formação no processo decisório da empresa.

z[5] Vide relatório de pesquisa sobre “ as competências profissionais na indústria têxtil brasileira’’ elaborado em fase do convênio institucional entre COPPE/UFRJ (Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia) e CETIQT/SENAI ( Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil)  em 1996. Este estudo procurou contribuir para um aprofundamento teórico-metodológico sobre o conceito de Qualificações-chave no setor têxtil. O trabalho empírico, ainda em caráter exploratório, indicou a necessidade de um redimensionamento curricular na estrutura de ensino frente aos novos conceitos produtivos.    

[6] Conforme Hobsbawm (1993:263) o Banco Mundial calculou que de 1980 a 1987, no mundo inteiro, ocorreram pouco mais de 400 privatizações e que metade delas se realizou em cinco países: Brasil, a Grã-Bretanha de Tatcher, Chile, Itália e Espanha. Ele cita ainda que se somarmos todas privatizações nas três maiores economias, os Estados Unidos, o Japão e a Alemanha, elas somam o grande total de 14 casos.